BRASIL-EUROPA
REFERENCIAL DE ANÁLISES CULTURAIS DE CONDUÇÃO MUSICOLÓGICA
EM CONTEXTOS, CONEXÕES, RELAÇÕES E PROCESSOS GLOBAIS
Antonio Alexandre Bispo
Artur Napoleão (dos Santos), nascido no Porto e falecido no Rio de Janeiro, foi uma das personalidades da história da música do século XIX e início do XX que foram consideradas com especial atenção no projeto brasileiro musicológico e de estudos culturais em contextos globais desenvolvido a partir de 1974 na Europa. Nele foram retomados e discutidos em cooperações internacionais estudos realizados anteriormente no Brasil e que remontavam a 1968, quando lembrou-se da passagem dos 125 anos do seu nascimento no Centro de Pesquisas em Musicologia do movimento Nova Difusão em São Paulo.
A atenção a Artur Napoleão na Europa, então praticamente esquecido em meios da pesquisa musical, foi decorrência da atualidade de questões referentes ao século XIX na Musicologia Histórica e, em, em particular, na pesquisa de culturas musicais em países e regiões extra-européias, compreendidas estas como área de estudos da Etnomusicologia. Em andamento encontrava-se a preparação de volume dedicado às culturas musicais da América Latina no século XIX e ao qual colaboravam pesquisadores de vários países latino-americanos.
Em diálogos e em encontros, vários aspectos dos estudos da cultura musical da América Latina foram discutidos. Entre os assuntos tratados, considerou-se o significado de pianistas virtuoses de projeção internacional que realizaram viagens de concertos pelos países do continente e que, também atuando como compositores, marcaram com o seu exemplo e pelos impulsos que deram a difusão de novos repertórios o desenvolvimento da vida musical de concertos.
O significado desses pianistas-compositores para a história social e cultural em relações euro-latinoamericanas foi considerado no exemplo de Louis Moreau Gottschalk (1829-1869). Nesses estudos voltados a artistas que, no século XIX percorreram e atuaram em países dos dois hemisférios, Artur Napoleão foi constantemente considerado. Ponto alto dessa colaboração foi conferência e debate concernente a interações transatlânticas e inter-americanas para a renovação de perspectivas do transatlantismo e do inter-americanismo em forum realizado em 1983.
O interesse pelo estudo de Artur Napoleão no projeto conduzido em Colonia decorreu também da presença de musicológos portugueses então ali atuantes, em particular Maria Augusta Alves Barbosa (1912-2012), professora de História da Música do Conservatório Nacional de Lisboa, então preparando a institucionalização das Ciências Musicais na Universidade Nova de Lisboa. Em diálogos e a partir do vasto acervo que possuía, tratou-se do significado de Artur Napoleão para a pesquisa histórico-musical de Portugal no século XIX.
Artur Napoleão foi nome que esteve sempre presente na vida e no ensino musical através de edições da casa musical e editora por ele fundada no Rio de Janeiro ao estabelecer-se no Rio de Janeiro em 1866. O interesse por sua pessoa, suas atuações no Brasil, empreendimentos e produção musical inseriu-se nas reflexões sobre a necessidade de revisão e renovação de perspectivas nos estudos musicais e culturais que levaram ao movimento Nova Difusão.
A superação de categorizações de esferas do erudito e do popular, assim como de categorizações de áreas e objetos de estudos devia ser alcançada através da orientação da atenção a processos. Essa orientação representava uma exigência perante desenvolvimentos da atualidade, marcada pelo desenvolvimento dos meios de comunicação e pela música popular. Surgia como caminho que possibitaria tratar adequadamente e valorizar nomes, desenvolvimentos e obras pouco ou não estudadas por não se enquadrarem em tarefas vistas como de domínio da história da música, dos estudos de folclore ou da música popular.
Tratava-se de uma Nova Difusão, compreendida não como de divulgação, mas sim como de difusão de uma mentalidade aberta, dirigida a estudos culturais, a processos que superam delimitações. Nessa orientação, a atenção foi despertada para o estudo da literatura referente à música, de. compêndios e das edições musicais no Brasil. Em pesquisas de fontes desenvolvidas no programa Musicologia Paulista do Centro de Pesquisas em Musicologia, conduzido em cooperações com o curso de História da Música então realizado no Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo, constatou-se o significado de Artur Napoleão para estudos da vida musical de São Paulo no século XIX.
A presença do jovem pianista na sua primeira estadia em São Paulo e as suas execuções no Teatro São José de São Paulo foram acontecimentos de extraordinário significado no meio estudantil da cidade marcada pela sua Faculdade. A ressonância entusiástica do pianista que se revelam em comentários da imprensa estudantil não pode ser suficientemente valorizada nas suas dimensões. Corresponderam a um espírito do tempo, a anelos intelectuais de meios sociais progressistas sob diferentes aspectos e que defendiam conquistas quanto a modos de vida e visões do mundo esclarecidas postas em risco pela estreiteza e rigorismo de moral e costumes da propagação religiosa restaurativa da autoridade eclesiástica e de ordens religiosas.
As suas apresentações foram bem recebidas por aqueles que procuravam uma abertura de mentes, de posições liberais, de livre expressão, de tolerância religiosa no cosmopolitismo nascente na capital da Província. Esse significado de Artur Napoleão para a história do movimento estudantil e da Faculdade de Direito de São Paulo foi lembrado por ocasião do concerto do Madrigal das Arcadas quando da oficialização da Nova Difusão como sociedade em 1968.
Os estudos de Artur Napoleão partiram sobretudo do livro do Visconde Sanches de Frias (1845-1922), membro da Academia de Sciencias de Portugal, da Sociedade Acadêmica de História Internacional de Paris e do Grêmio Literário Português do Pará, editado em Lisboa, em 1913, como resenha comemorativa por amigos e admiradores do pianista-compositor (Arthur Napoleão. Resenha comemorativa da Sua vida pessoal e artística, Lisboa 1913).
Esse livro traz dedicatória que revela o seu significado para estudos luso-brasileiros: A Portugal e Brasil, as duas nações estreitamente parentas, uma, que presidiu ao nascimento, e gosou os primeiros triunfos do famigerado pianista, e outra, que o acolheu e préza como filho dilecto.
As reflexões de Sanches de Faria e o conteúdo dessa publicação foram considerados sob o aspecto de suas inserções em contextos da época de sua edição em conferência-concerto realizada pelo Centro de Pesquisas em Musicologia da Nova Difusão em São Paulo no dia 7 de setembro de 1970.
Executadas e comentadas foram obras de Artur Napoleão para piano a quatro mãos e dois pianos, e.o. a valsa brilhante Estrela Chilena, a tarantela Les bersagliers à Naples e a polca Teus lindos olhos, salientando-se o interesse de sua obra para estudos músico-sociológicos da prática musical doméstica e de salão, assim como da difusão e adaptação de danças européias no repertório para piano.
Composições de Artur Napoleão, acompanhadas por comentários, foram executadas pela primeira vez em cursos e apresentações de música brasileira para piano na Escola de Música da Renânia, antigo Conservatório da Cidade de Colonia (Rheinische Musikschule) em 1976. Artur Napoleão foi considerado em cursos de História da Música no I Fórum de Música e Educação Musical Alemanha/Brasil na Escola de Música de Leichlingen, realizado com a Sociedade Brasileira de Musicologia em 1982. Obras de Artur Napoleão foram apresentadas na Primeira Semana de Música Alemanha/Brasil que encerrou o evento.
Sob o aspecto musicológico e pedagógico, discutiu-se sobretudo as suas composições para quatro-mãos e dois pianos, consideradas em comparações com obras de outros compositores do século XIX. A partir de 1985, com a fundação do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa, representando a institucionalização européia do Centro de Pesquisas em Musicologia.
Esses estudos tiveram prosseguimento no trabalho conjunto com Manuel Ivo Cruz (1935-2010) , regente do Teatro São Carlos em Lisboa e principal estudioso do século XIX em Portugal. Ponto alto desse desenvolvimento foi o simpósio internacional Dimensões Européias da Música de Portugal, promovido pela Academia Brasil-Europa e pelo Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa por ocasião da celebração do Porto como Capital Européia da Música em 2002.
Este texto é extraido da publicação
Antonio Alexandre Bispo. Pedro II 200 Anos. Música em estudos euro-brasileiros do século XIX. Gummersbach: Akademie Brasil-Europa & Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e.V.
416 páginas. Ilustrações. (Série Anais Brasil-Europa de Ciências Culturais)
Impressão e distribuição: tredition. Ahrensberg, 225.
ISBN 978-3-384-68111-9
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