Dom Pedro II. Neg. von Braum. Clément & Cia. Paris. Therese Prinzessin von Bayern. Meine Reise in den brasilianischen Tropen. Berlin 1897

BRASIL-EUROPA

REFERENCIAL DE ANÁLISES CULTURAIS DE CONDUÇÃO MUSICOLÓGICA

EM CONTEXTOS, CONEXÕES, RELAÇÕES E PROCESSOS GLOBAIS


 
JACQUES-LOUIS BATTMANN

1818 - 1886


MISSAS





PROGRAMA

BICENTENÁRIO DE D. PEDRO II
1825-2025

Missa em Do de Battmann. Vale do Paraíba, Brasil. Arquivo A.A.Bispo
Missa de Louis Battmann, compositor francês-alsaciano cujas obras foram muito difundidas no Brasil na segunda metade do século XIX. Pesquisas de A.A.Bispo da década de 1960.

Antonio Alexandre Bispo


Em época marcada pelas pelo bicentenário de nascimento de Dom Pedro II (1825-1891), quando as atenções se volvem ao século XIX e às relações culturais entre o Brasil e a Europa, por ele tão marcadas, torna-se oportuno considerar obras de compositores que, esquecidos na Europa, desempenharam papel importante na vida musical do Brasil. Em alguns casos, essas composições foram mais difundidas e mais intensamente cultivadas no Brasil do que nos próprios países em que foram criadas. 


A consideração dessas obras e de sua difusão constitui uma significativa tarefa dos estudos culturais que parte da música como princípio condutor. Essa tarefa nem sempre é de fácil consecução. Alguns compositores, esquecidos ou silenciados, não foram objeto de pesquisas e estudos, os contextos em que criaram as suas obras nem sempre surgem como relevantes. O pesquisador brasileiro, para estudar adequadamente obras que foram amplamente divulgadas, apreciadas e cultivadas no Brasil torna-se obrigado a realizar pesquisas de contextos submersos ou vistos como de secundária importância. 


Este é o caso de composições para a igreja que, difundidas em edições e através de ordens religiosas e de missionários europeus que atuaram no Brasil marcaram em grande parte repertórios de igrejas e capelas de educandários. Um desses compositores foi Jacques-Louis Battman (1818-1886), organista francês-alsaciano, autor de grande número de obras para órgão, harmônio, coro e também para piano, hoje esquecido, mas cujas obras, em particular as suas missas, foram amplamente difundidas no Brasil. 


Missas e outras obras de Battmann foram frequentemente encontradas em acervos de igrejas, levantando questões sobre o seu autor e as razões de tão ampla difusão e popularidade. O estudo de processos que explicam a difusão de obras de Battmann e de outros  compositores, assim como a promoção de uma correspondente orientação voltada a processos na pesquisa e na prática tornaram-se objetivos do movimento Nova Difusão, mantenedora do Centro de Pesquisas em Musicologia em São Paulo em meados da década de 1960. Com o início dos trabalhos em nível internacional em 1974, os estudos inseriram-se em programa que foi marcado pela atualidade de questões relativas à música sacra no século XIX, pela reconsideração desse século nos estudos musicológicos e por questões de recepção musical em contextos globais.


Nascido em Masevaux/Masmünster e falecido em Dijon), a consideração de Battmann exigiu estudos de fontes e contextos na Alsácia e em outras regiões, sobretudo em Belfort e Dijon. Alguns aspectos desses trabalhos devem ser aqui recapitulados.


Significado


Embora pouco considerado na literatura, Battmann adquire significado para estudos musicológicos orientados segundo processos culturais em relações transnacionais e, reciprocamente, de estudos culturais conduzidos a partir da música. Até meados do século XX as suas composições tinham sido ainda praticadas em muitas igrejas. Embora já desvalorizadas e mesmo vistas com desprêzo em determinados círculos de músicos e teólogos que se orientavam segundo normas do Motu Próprio de Pio X (1903), mantiveram-se em repertórios e foram apreciadas por regentes, cantores e devotos em décadas precedentes ao Concílio Vaticano II. As composições sacro-musicais de Battmann não deixaram de ser consideradas criticamente sobretudo nos anos das reformas litúrgico-musicais que a ele se seguiram, sendo excluídas da prática, sobretudo também pelo fato de serem em latim.


Há várias razões que justificam um interesse por Battmann e suas composições nos estudos do século XIX. Elas dirigem a atenção a relações entre a França e o Brasil, em particular a Dijon, um centro de estudos de relevância para estudos brasileiros. Elas trazem à consciência a necessidade de estudos mais diferenciados do movimento católico restaurador que marcou os desenvolvimentos nesse século, em especial após o Congresso de Viena.


Desenvolvimentos dos estudos


Nos anos que se seguiram ao Concílio Vaticano II, a obra de Battmann tornou-se um exemplo de música e concepções litúrgico-musicais ultrapassadas, não só por serem as suas obras vocais versadas em latim, mas pelo tratamento musical dos textos corais e sua adequação à liturgia  segundo concepções, anelos e práticas de participação ativa no canto comunitário e do canto pastoral. 


Considerações desqualificadoras da obra de Battmann não eram porém de recente data. As suas obras não eram bem vistas há décadas em seminários e coros que, orientando-se segundo os preceitos do Motu Proprio de Pio X de 1903 procuravam cultivar uma música considerada como verdadeiramente sagrada, digna, como parte integrante da liturgia segundo modelos do gregoriano e da polifonia vocal.  


Em pesquisas realizadas em São Paulo e em várias cidades do interior, em particular no vale do Paraíba, levantaram-se cópias de missas de Battmann em acervos. Em 1970, em Minas Gerais, em particular em visita ao Museu da Música então em fase de instalação em 1970, pôde-se constatar a presença de obras de Battmann em repertórios. 


Em 1972, em viagem de pesquisas em cidades da Bahia, do litoral e do Recôncavo, assim como de Estados do Nordeste, missas de Battmann foram encontradas em acervos particulares e de corporações. Em Sergipe, reconheceu-se o significado de obras de Battmann na introdução de um novo repertório na catedral da nova capital no século XIX, correspondente a novas tendências litúrgico-musicais e o empenho pela sua difusão no interior para a atualização de repertórios. 


As pesquisas em acervos e as entrevistas com músicos  em Sergipe trouxe à consciência as dificuldades que se colocavam para a execução de missas de Battmann. Ficou presente na memória de músicos o temor do mestre de Maruim de não ter capacidade de realizar a obra com os seus conhecimentos e com a falta de preparo de seus cantores, contando para isso com o auxílio de renomado músico policial da capital, de melhor formação. Essas constatações trouxeram à consciência que a obra sacro-musical de Battmann foi vista como atual e mesmo de alta qualidade artística e de profundidade religiosa na segunda metade do século XIX, assim como correspondente a correntes litúrgico-musicais de uma época marcada por correntes restaurativas. As suas missas foram vistas como de mais difícil realização por cantores e músicos, representando a sua execução uma prova de aperfeiçoamento de aptidões de cantores.   Essa constatação, contrária à crítica que se fazia quanto à sua inadequação sob o aspecto do movimento de restauração, dirigiu a atenção à necessidade de estudos mais diferenciados da música sacra e da restauração no século XIX. 


As obras mais frequentemente encontradas foram aa Missa Nr. 1, em Fá Maior para duas vozes iguais com órgão e harmônio opus 193  e a missa Nr. 2 em Do Maior opus 282. 


Internacionalização dos estudos


A problemática Battmann foi um dos complexos temáticos considerados no programa voltado ao desenvolvimento de uma musicologia orientada segundo processos em contextos globais sediado na Universidade de Colonia. Os temas primordialmente nele considerados foram decorrentes da então atualidade de questões referentes à música sacra e do interesse por estudos mais diferenciados do século XIX na Musicologia. 


A celebração dos 450 anos de Palestrina em 1975 e os debates concernentes a mudanças litúrgico-musicais em anos pós-conciliares, em particular em países extra-europeus levaram a revisões de concepções que tinham marcado os estudos de música sacra. Perspectivas e procedimentos na tradição ceciliana do século XIX deviam ser relativizados, considerando-se que foram expressões de desenvolvimentos europeus. A atualidade do século XIX manifestava-se em projeto editorial em andamento dedicado a culturas musicais em regiões extra-européias, estando em preparação o volume referente à América Latina.


A necessidade de reconsiderações desse século nos estudos musicológicos em geral teve a sua expressão nas Jornadas de Música realizadas em Kassel, em 1976 (Kasseler Musiktage). Nesse evento, salientou-se a situação paradoxal resultante de um lado da permanência de obras e compositores do século XIX em repertórios e de outro do esquecimento de vultos e de uma produção criadora que marcaram desenvolvimentos no passado. Em debates e concertos, compositores, obras, formas e práticas de execução caídos em esquecimento foram considerados. Entre os muitos nomes já praticamente esquecidos ou ignorados da música na Europa que tiveram as suas obras difundidas no Brasil, lembrou-se no âmbito do projeto brasileiro aquele de Battmann. 


Entre as questões então levantadas incluiu-se aquelas que implicavam numa desvalorização do passado musical em países como o Brasil. A recepção de obras de compositores europeus em países extra-europeus teria sido marcada pela difusão de uma produção musical de significado secundário, de menor qualidade estética, de modo que também o Brasil teria recebido  e assimilado refugos da Europa, o que teria influenciado compositores locais e tendências estéticas, o que explicaria também uma defasagem que seria constatável na linguagem musical de compositores brasileiros. Ter-se-ia aqui um problema quanto a processos difusivos e receptivos em contextos globais, o que levantaria também problemas historiográficos e de pesquisas de fontes. Essas opiniões e esses modos de ver precisaram ser contestados. O caminho para essa contestação era o de uma reorientação teórica da musicologia, revendo interpretações da produção musical na própria Europa a partir de perspectivas culturológicas.


Para os estudos de Battmann foram consultadas fontes em geral não consideradas, periódicos religiosos e revistas de ilustração do século XIX.  O organista e compositor foi considerado em viagens de estudos e pesquisas na Alsácia e outras regiões da França, em locais de sua atuação como Belfort e Dijon. 


Battmann e o harmônio


Battmann, organista e compositor de obras para órgão ou harmônio, não pode ser ignorado ou menosprezado na história da música sacra no século XIX.  Correspondeu aos intentos que procuraram substituir a tradição coro-orquestral nas igrejas. Criou obras para orgão para as partes do Proprium de missas (Pieces d’Orgue: Entree, Offertoire, Elevation, Communion, Sortie, opus 30). Publicou 72 peças para órgão ou harmônio (72 Morceaux pour Orgue ou harmônio, opus 60). As suas obras foram executadas em celebrações ou mesmo em âmbito particular, como Les Immortelles, opus 440


O principal fator que explica a difusão de suas obras reside na ausência de órgãos de tubos em cidades e instituições religiosas que não possuiam meios de aquisição de órgãos e que por isso precisavam recorrer ao harmônio. Em contextos marcados por concepções restaurativas, na qual se procurava substituir a orquestra pelo órgão na prática musical, localidades menores, educandários e conventos sem maiores meios financeiros viam-se obrigados a empregar o harmônio. Não se pode ignorar, porém, que o harmônio possuia qualidades sonoras próprias, correspondendo a uma espiritualidade de época marcada por tendências à interiorização, reserva, modéstia, de menor expansão de meios expressivos e sentimentos religiosos. Battmann não pode deixar de ser considerado em estudos concernentes a este instrumento. O estudo do harmônio, do seu repertório e funções, do seu emprêgo em atividades missionárias e educativas não tem sido adequadamente desenvolvido. Exige aproximações antes de natureza teórico-cultural, sociais e pragmáticas. Dirige a atenção a igrejas e localidades menores, adquirindo assim relevante significado para estudos de natureza cultural e do quotidiano.


Acompanhamento do gregoriano 


Significativo para o estudo da inserção de Battmann em correntes restaurativas é o seu empenho pelo cantochão, como a sua obra Le plain chat romain harmonisé opus 250 o comprova.  


Essa obra trouxe à consciência a necessidade de estudos mais diferenciados do movimento de revitalização da prática do cantochão nas igrejas nas correntes restaurativas do século XIX. A consideração da restauração do Gregoriano tinham sido até então quase que exclusivamente voltada a Solesmes e aos estudos paleográficos conduzidos pelos seus grandes representantes. Sob o aspecto dos estudos de processos porém, em particular também aqueles referentes ao Brasil, desenvolvimentos precedentes e mesmo concomitantes com aqueles desencadeados por Solesmes passaram a ser objeto de pesquisas mais atentas. 


O gregoriano, modal, passa a ser harmonizado segundo um sistema tonal, um intento que marcou a prática coral em várias regiões - também no Brasil - por décadas.


Battmann procurou criar obras adaptadas à capacidade técnica de coros mais modestos, escrevendo para duas vozes iguais com acompanhamento de órgão e harmônio, como as suas missas o comprovam, entre elas a Missa N° 3 Opus 366. Com um sentido por assim dizer pedagógico de possibilitar realizações por coros de pouco preparo escreveu missas de fácil execução (Messe d’une très facile Exécution opus 63). Esse intento não devia prejudicar a música sacra de missas solenes (Petite messe solennele em Do Maior opus 335). 

D. Pedro II. Kaiser von Brasilien. Phot. Melsenbach Riffarth München. V. Braun Clément, Paris. Da obra: Therese Prinzessin von Bayern, Meine Reisen on den Brasilianischen Tropen. Berlin D. Reimer (Erst Vohsen) 1897.

Este texto é extraido da publicação

Antonio Alexandre Bispo. Pedro II 200 Anos. Música em estudos euro-brasileiros do século XIX. Gummersbach: Akademie Brasil-Europa & Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e.V.
416 páginas. Ilustrações. (Série Anais Brasil-Europa de Ciências Culturais)
Impressão e distribuição: tredition. Ahrensberg, 225.


ISBN 978-3-384-68111-9


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Pedro II Kaiser von Brasilien. Phot. Melsenbach Riffarth München. V. Braun Clément, Paris. Da obra: Therese Prinzessin von Bayern, Meine Reisen on den Brasilianischen Tropen. Berlin D. Reimer (Erst Vohsen) 1897.
Druck und Verteilung: Tredition. Ahrensberg