BRASIL-EUROPA
REFERENCIAL DE ANÁLISES CULTURAIS DE CONDUÇÃO MUSICOLÓGICA
EM CONTEXTOS, CONEXÕES, RELAÇÕES E PROCESSOS GLOBAIS
Antonio Alexandre Bispo
Francisco/Francesco Farina (1862-1933) foi um dos compositores considerados desde meados da década de 1960 em estudos histórico-musicais em São Paulo. Nascido em Nápoles, foi tratado em estudos referentes à imigração em círculos ítalo-brasileiros. Esses estudos foram desenvolvidos no Centro de Pesquisas em Musicologia do movimento Nova Difusão, registrado em 1968. Marco nesses estudos foi sessão realizado no Conservatório Musical Carlos Gomes no âmbito do Festival de Outuno da Nova Difusão com o apoio do Departamento de Cultura do Município de São Paulo em 1970. Em nível superior, foi considerado em cursos de Etnomusicologia sob o aspecto de uma Etnomusicologia Urbana da Faculdade de Música e Educação Musical do Instituto Musical de São Paulo.
A partir de 1975, Francisco Farina foi um dos nomes considerados no projeto brasileiro de desenvolvimento de uma musicologia de orientação segundo processos culturais em contextos globais a partir da Universidade de Colonia. Esse projeto deu continuidade, em nível internacional, a pesquisas e debates anteriormente levados a efeito no Brasil. O projeto foi possibilitado pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD). Foi conduzido em cooperações com pesquisadores de Estudos Regionais do Instituto Português-Brasileiro e outras instituições da Arquidiocese e de outros países.
O interesse por Francisco Farina na Europa teve várias razões. Musicólogos alemães passavam a dedicar especial atenção aos estudos musicológicos italianos. A imigração italiana às Américas era um dos aspectos considerados em diálogos no âmbito de projeto editorial sobre as culturas musicais da América Latina no século XIX em andamento no departamento de Etnomusicologia do Instituto de Musicologia de Colonia. O século XIX e em especial a música sacra eram objeto de estudos e reflexões.
A rememoração dos 450 anos de Palestrina, um dos pontos do programa elaborado no Brasil, trouxe à consciência a necessária revisão de concepções do Cecilianismo do século XIX em época de mudanças litúrgico-musicais de meados da década de 1970, em particular em países extra-europeus. Já em março de 1975 realizou-se uma viagem de estudos a várias cidades da Itália com a finalidade de levantamento de fontes documentais referentes a compositores brasileiros e italianos que atuaram no Brasil. Esse empreendimento foi motivado pela passagem dos 50 anos da Storia Della Musica nem Brasile de Vincenzo Cernicchiaro, publicada em Milão, em 192Em 1976, nas Jornadas Musicais de Kassel (Kasseler Musiktage), tematizou-se a problemática do século XX na musicologia. Embora a vida musical continuasse a ser marcada por obras do século XIX, muitos de seus compositores, obras e correntes tinham caído no esquecimento.
Um dos complexos temáticos discutidos foi o do papel de imigrantes italianos na vida musical da América Latina e a história da música e do ensino em centros como Buenos Aires, Montevideo e São Paulo. Embora os estudos da migração despertasse grande interesse nos estudos culturais e já oferecessem considerável literatura, pouco eram considerados nos estudos histórico-musicais e etnomusicológicos referentes ao Brasil. Essa situação foi discutida no âmbito do projeto, pois representa uma insuficiência que prejudica a consideração e a análise de desenvolvimentos no século XIX e de suas extensões e consequências no século XX. Por demais são os historiadores da música interessados apenas no passado colonial e nas primeiras décadas do XIX.
Francisco Farina era conhecido por cantores e instrumentistas, em particular no âmbito da música sacra e suas composições tinham feito parte do repertório de coros nos anos que antecederam ao Concílio Vaticano II, em particular em comunidades marcadas pela presença italiano ou ítalo-brasileira. Farina era nome conhecido no principal centro de ensino musical da comunidade ítalo-brasileira de São Paulo.
Essa lacuna foi sentida no decorrer de intentos de valorização de compositores italianos e da contribuição italiana à vida musical de São Paulo, da cidade e do interior. O interesse pela história da imigração italiana e do papel da música nas colonias, bairros e cidades marcados por imigrantes assim despertado foi um dos fatores que levaram à tomada de consciência da necessidade de mudança de perspectivas nos estudos de História da Música e Folclore através de um direcionamento da atenção a processos sócio-culturais.
A prática de música de banda e de igreja, assim como na prática doméstica e quotidiana da música entre os imigrantes italianos, entre eles Francisco Farina, não podia ser considerada na sua importância adequadamente a partir de critérios resultantes de distinções entre esferas do erudito e do popular. Não eram estudadas e não eram valorizadas.
O direcionamento da atenção a processos que transpassamdelimitações de esferas e de áreas nos seus diferentes sentidos, a superação de um modo de pensar em compartimentos levaram ao movimento Nova Difusão e do seu Centro de Pesquisas em Musicologia. Através de entrevistas e consultas de acervos em São Paulo e em cidades do interior, tornou-se possível colher dados a respeito da vida e da obra de Francisco Farina.
Os estudos da música na imigração italiana e do papel desempenhado por músicos italianos e ítalo-brasileiros em São Paulo foi tema de estudos apresentados em programa da Nova Difusão no âmbito do Festival de Outono apoiado pelo Departamento de Cultura em 1970. Em nível superior, Farina foi um dos compositores considerados em estudos de imigração na área da Etnomusicologia da Faculdade de Música e Educação Musical/Artística do Instituto Musical de São Paulo a partir de 1972.
Os trabalhos desenvolvidos em 1973 no Instituto Musical de São Paulo trouxeram à consciência o significado de Francisco Farina.
Nascido em 1862, Francesco Farina se inscreve em época que marcou o fim do reino de Nápoles sob os Bourbons. No dia 7 de setembro de 1860, Giuseppe Garibaldi entrou em Nápoles e, em 21 de outubro, decidiu-se a união com o Reino da Itália (Sardinha-Piemonte). Como muitos outros migrantes que também foram músicos, Francisco Farina obteve a sua formação no âmbito da música de igreja e de banda, tanto militar como civil. Destacou-se como músico militar no regimento Cavalleggeri di Monferrato do Exército Real Italiano.
A sua posição política voltada à unidade italiana e a sua lealdade ao novo Reino manifestou-se na sua obra como compositor ao escrever a sinfonia Savoia, dedicada ao rei Umberto I (1844-1900), pelo qual foi condecorado. Distinguiu-se em apresentações e concursos de bandas de música em várias cidades italianas, recebendo prêmios e menções honrosas.
O renome de Francesco Farina foi sócio honorário do Circolo Filarmonico Internazionale di Roma e membro de sociedades artístico-musicais da Sicília, de Palermo e, em particular, do Real Circolo Bellini de Catania, entidade que agregava entre os seus sócios honorários renomados músicos e compositores.
Foi regente da Banda Musicale Città di Augusta, o que deve ser salientado, por ter alcançado esta banda, fundada em 1863, um alto nível qualitativo, dirigida por maestros de renome, tornando-se uma das mais prestigiosas da Itália. Participou da vida dessa corporação em época marcada por intensas atividades e alternações de regentes. O início das atividades de regência de Francesco Farina foi precedido por mudanças na direção da banda, em alternâncias entre Leandro Monteforte e o suplente Sigismondo Manno. Francesco Farina assumiu a regência em 1896, sendo auxiliado Alfonso Confreda, jovem músico de sólida formação e já renomado como clarinetista, cujas atividades se relacionaram estreitamente com aquelas de Farina. Para a Exposição Mundial de Bruxelas de 1897 escreveu uma Rapsódia.
A passagem do século foi marcada por emigrações, tanto de Farina como de Confreda. A vinda de Francesco Farina para a América Latina não pôde ser bem esclarecida nos trabalhos então realizados. Segundo algumas informações, ter-se-ia transferido para São Paulo em 1898, havendo também notícias de ter antes emigrado para a Argentina. Em 1899, tendo saído Francesco Farina, também Alfonso Confreda passou a viver na Tunísia, sendo a direção da banda de Augusta assumida novamente pelo suplente. Em 1905, Francesco Farina retornou à Itália a chamado da cidade de Augusta, reassumindo a direção da banda em 1906. Seguindo-o, retornou também Alfonso Confreda, que passou a atuar também como mestre, copista e arquivista, destacando-se também como compositor, sobretudo de música religiosa. Para a Exposição Mundial de Bruxelas de 1897, Francisco Farina escreveu uma Rapsódia.
Francesco Farina deixou a regência da banda em 1911. Em 1912 encontrava-se em Jundiaí, onde passou a conduzir a Banda Paulista e a dar aulas.
Como compositor, escreveu para a Banda Paulista várias obras, entre elas o dobrado Solidão, as grandes marchas Polytheama, Nosso Diretor, Cinema Rink e Heróis, Mártires da Guerra, a marcha religiosa Santa Páscoa, a mazurca Congresso dos Pássaros e entre as suas valsas, Campineiras e Visões. Em 1920, transferiu-se para Jaboticabal, onde assumiu a direção da Banda Pietro Mascagni. A seguir, transferiu-se para Araraquara onde tornou-se regente da Banda Municipal.
A atenção dedicada a Francisco Farina nos estudos musicológicos, entre os muitos outros músicos migrantes que atuaram no Brasil levantados pela pesquisa justificou-se também pelo fato de ser Farina de origem napolitana e inserir-se em fase decisiva da unificação da Itália. As relações entre entre os centros musicais itálicos, Portugal e o Brasil merecem ser consideradas também sob essa perspectiva da emigração italiana a partir da segunda metade do século XIX.
.
A importância da „escola napolitana“ no século XVIII e início do XIX em Portugal já foi há muito reconhecida na historiografia da música. No âmbito do projeto, salientou-se a necessidade de uma maior diferenciação dos desenvolvimentos em Nápoles sob o aspecto político-cultural nas suas consequências para a vida musical local e suas irradiações em outros países. De forma alguma pode ser essa „escola napolitana“ considerada indiferenciadamente como se não tivesse passado por transformações e desenvolvimentos no decorrer do tempo. A atuação de músicos napolitanos em outros países da Europa, entre eles sobretudo na França, também deve ser considerada sob o aspecto de suas extensões nas Américas.
No projeto musicológico brasileiro desenvolvido na Europa, a atenção foi dedicada sobretudo à produção sacro musical de Francisco Farina. Entre as composições sacro-musicais de Farina, considerou-se com particular a sua Missa em fá, uma obra de grandes dimensões e aparato orquestral, escrita para coro a 4 vozes e orquestra com dois violinos, contrabaixo, flauta, duas clarinetas, trombone e bombardino.
A obra revela a sólida formação musical do compositor e sua estética marcada pela prática da música sinfônica para banda. O tratamento das partes vocais e instrumentais, em particular também a atenção à dinâmica e aos contrastes dinâmicos e de tempo nas suas relações com o texto, revelam a acuidade do compositor, o seu cuidado com pormenores expressivos na interpretação de sentidos das palavras. Essa atenção faz com que a obra se diferencie de composições sacras de autores brasileiros também marcados pela prática da música para banda marcial da época.
Este texto é extraido da publicação
Antonio Alexandre Bispo. Pedro II 200 Anos. Música em estudos euro-brasileiros do século XIX. Gummersbach: Akademie Brasil-Europa & Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e.V.
416 páginas. Ilustrações. (Série Anais Brasil-Europa de Ciências Culturais)
Impressão e distribuição: tredition. Ahrensberg, 225.
ISBN 978-3-384-68111-9
O livro pode ser adquirido aqui