Dom Pedro II. Neg. von Braum. Clément & Cia. Paris. Therese Prinzessin von Bayern. Meine Reise in den brasilianischen Tropen. Berlin 1897

BRASIL-EUROPA

REFERENCIAL DE ANÁLISES CULTURAIS DE CONDUÇÃO MUSICOLÓGICA

EM CONTEXTOS, CONEXÕES, RELAÇÕES E PROCESSOS GLOBAIS


 
HINO DOS MINEIROS

- VOLUNTÁRIOS DA PÁTRIA -

JOSÉ PEDRO XAVIER DA VEIGA (1846-1900) (?)




PROGRAMA

BICENTENÁRIO DE D. PEDRO II
1825-2025

Hino dos Mineiros ca. 1874. Hino dos Voluntários da Pátria de Minas Gerais na Guerra do Paraguai. Acervo A.A.Bispo. Copyright

Antonio Alexandre Bispo


O século XIX no Brasil reassume atualidade em época marcada pelo bicentenário de nascimento de Dom Pedro II (1825-1891) Torna-se assim oportuno recordar pesquisas e estudos que vêm sendo há muito desenvolvidos, iniciados que foram em São Paulo na década de 1960. Esses estudos tiveram prosseguimento em âmbito internacional na Europa a partir de 1974. 


Esses estudos sempre se distinguiram pela sua particular orientação teórica e que foi sob muitos aspectos pioneira. Caracterizam-se fundamentalmente pela sua inter- e transdisciplinaridade decorrente do questionamento de modos de pensar em compartimentos, em esferas e áreas delimitadas em diferentes sentidos, o que despertou a consciência para a necessidade de um direcionamento da atenção a processos que transpassam divisões e fronteiras. 


Esses estudos sempre se distinguiram também e sobretudo por serem desenvolvidos a partir da música como princípio condutor. Diferem assim de outros "turns" nas ciências culturais. A música é focalizada nas suas inserções em processos que, ultrapassando linhas divisórias em diferentes sentidos, são analisados em contextos globais, transregionais, transnacionais e transcontinentais. Estabelecem-se assim relações recíprocas entre uma culturologia de condução musicológica e uma musicologia orientada segundo processos. 


Hinos, música militar e seus efeitos


Essa orientação teórica justifica-se pelo papel que a música desempenha sob o aspecto psíquico-mental em indivíduos e coletividades. Como reconhecido em definições e elucidações através dos séculos, a música move afetos. A música não só expressa movimentações no interior do homem, sentimentos e emoções, como também é agente de movimentações, mudanças de estados e disposições. Tem efeitos por assim dizer descendentes e ascendentes, pode acentuar sentimentos de tristeza, depressões, abaixar o moral, tem o poder, ao contrário, de levantá-lo e desencadear entusiasmo e este levar a ações que exigem destemor e coragem. 


Esses efeitos da música também foram constatados desde remotas eras e foram sempre lembrados em tratados e escritos varios. O poder do entusiasmo que leva a atos audaciosos e mesmo irrefletidos, que exigem a superação de mêdo, de dor e de risco de vida, foi sempre reconhecido na esfera militar e se expressa no significado da música marcial em exércitos, em forças militares de terra e de mar, de polícia, de bombeiros, assim como na presença de instrumentistas em campos de batalha. 


Os hinos de guerra e mesmo aqueles patrióticos que decantam a disposição de morrer em defesa da pátria também explicam-se pelo efeito psicológico e sócio-psicológico que a música pode ter. 


O estudo de hinos, - nos quais o louvor é  primordial -, assim como música marcial em geral e sobretudo os instrumentos e seus sinais em batalhas, marcando, comandando e liderando os confrontos bélicos, constituem temas que não podem deixar de ser considerados numa musicologia orientada segundo perspectivas culturais, psicológicas e sócio-psicológicas.


Desenvolvimento dos estudos


O estudo de hinos é de longa data tanto na musicologia em geral como nos estudos referentes à música no Brasil. O aprendizado, a memorização e o canto de hinos pátrios constituíram principal escopo da formação musical segundo o ideário nacionalista do Canto Orfeônico por décadas. Suscitaram estudos sobre os seus compositores, suas origens e história. Em muitos casos foram adaptados a hinos novos textos, correspondentes a novas situações políticas, como é o caso do Hino Nacional brasileiro. Essas adaptações, nos quais música e textos de diferentes épocas, nas suas diferentes características estilísticas, musicais e literárias levantam problemas decorrentes de incongruências quanto a contextos em que se inserem e de hibridismo estético-cultural. 


Essa constatação constituiu um dos fatores que motivaram estudos de hinários patrióticos sob o aspecto de contextos e processos culturais no ambito do movimento Nova Difusão e do seu Centro de Pesquisas em Musicologia na década de 1960 e nos anos que se seguiram. Esses estudos puderam basear-se em trabalhos e publicações, salientando-se os estudos de Mercedes Reis Pequeno (1921-2015) referente à música militar quando esta foi considerada em exposição da Biblioteca Nacional, o que fundamentou as intensas cooperações com essa pesquisadora através de décadas. 


Estudos de arquivos 


Evidenciou-se, nos trabalhos conduzidos em São Paulo, a necessidade de um levantamento de fontes e do seu estudo sob a perspectiva de estudos culturais dirigidos a processos, a difusões de hinos e composições marciais através de limites regionais e mesmo nacionais. Com esse objetivo, realizaram-se pesquisas de fontes em acervos particulares, de corporações musicais, arquivos oficiais, policiais e militares, salientando-se aquele da Polícia Militar de São Paulo


Em encontros com militares e consultas do arquivo desenvolveram-se estudos do hinário e à música militar em contextos de guerras e revoluções. Nesses estudos salientou-se a ida de músicos paulistas em batalhões na Guerra do Paraguai (1864-1870) e do relevante papel desempenhado por músicos policiais e militares na história da vida musical e na criação musical - também na esfera da música sacra.  As consultas de acervos extenderam-se a outras corporações e cidades, entre elas sobretudo no vale do Paraíba. No decorrer desses trabalhos, encontrou-se o Hino dos Mineiros, conservado em manuscrito datado de 1874.


O Hino dos Mineiros


 De autor incerto, o hino é de relevância para estudos culturais e musicológicos concernentes à época da Guerra do Paraguai (1864-1870) e aos anos que a ela se seguiram. Diz respeito assim a um dos mais graves momentos da história do Brasil do II Império, dos demais países envolvidos, e mesmo da história da América do Sul. 


"Já soa o clarim da Guerra / no Sul ribomba o canhão. / Às armas  corramos brazileiros em união /  (bis). À  guerra agora marchamos / à frente bravos Mineiros / sejão da Patria em defesa / nossos braços os primeiros  das armas de  guerra. // Salvemos brioso povo da tirania. / As afrontas atiradas à nossa soberania. / (Estribilho) à Guerra. (…) 

Escravos de uma vil ultrage. Governa por irrizão. Queimando brazilio solo (…)."


Voluntários da Pátria - Pedro II como primeiro voluntário


Os corpos dos Voluntários da Pátria, criados em 1865 e dissolvidos em 1870, foram unidades de combatentes para serviços de guerra como reforços às forças do Exército do Brasil nas ações bélicas da Guerra do Paraguai. O Império, não contando com um exército à altura quanto ao número de combatentes e seu preparo, não estava em condições para reagir contra ação vista como ofensiva por parte do Paraguai levou a que, por decreto de 7 de janeiro de 1865, fossem criados os corpos dos Voluntários da Pátria


O próprio D. Pedro II deslocou-se à cidade de Uruguaiana, indo por terra do porto do Rio Grande do Sul à cidade, então ocupada. Designou-se no local em que acampavam os soldados como o Primeiro Voluntário da Pátria.  Entre os corpos dos voluntários dos diferentes Estados, incluiu-se também aquele de Minas Gerais. 


Os Corpos de Voluntários da Pátria de Minas, Ouro Preto e Uberlândia 


Em Minas Gerais, formaram-se três corpos, o 17° CPV, o 18° CPV em Ouro Preto e o 27° CPV em Uberaba. Neles tomaram parte ca. de 2000 voluntários de diferentes cidades reunidos na capital, a antiga Vila Rica - Ouro Preto - e ca. de 2000 de policiais militares, num total de 4090 combatentes. Com eles seguiram acompanhantes, mulheres, crianças e mercadores. Da estrutura dos corpos fazia parte um combatente responsável pela música. Criaram-se hinos cantados em atos de despedida e possivelmente no decorrer dos deslocamentos e nos acampamentos.


 O 17° Corpo atuou no sul do Mato Grosso, em área invadida pelos paraguaios. A destruição de casas e assassínios desencadearam a guerra. Esta, porém, não pode ser analisada sem a consideração de seus precedentes, de tensões, conflitos e intervenções armadas de anos anteriores.Os mineiros entraram na história pelas suas ações, pelos seus avanços, chegando a ocupar Assunção, assim como também os seus recuos. 


Os embates custaram numerosas vidas, sendo que apenas 494 dos combatentes retornaram com vida a Ouro Preto.Esses embates foram tratados na sua dramaticidade na literatura como se revela nas obras de Alfredo d’Escragnolle Taunay (1843-1899) e representados em obras de arte, arcando visões e a memória.  Apesar da perda de vidas e dos seus horrores, a vitória levou a expressões de triunfo que também se expressou em obras musicais. 


Uma questão sempre discutida disse respeito ao fato do manuscrito do Hino dos Mineiros ter sido encontrado no vale do Paraíba. Foi visto assim como uma das várias fontes musicais que documentam as interações entre Minas Gerais e São Paulo no século XIX.


Tomou-se conhecimento, em cursos da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, em 1973, de um Hino dos Voluntários da Patria de Pitangui, cantado em 1865 no Paço Municipal dessa cidade em promoção de uma sociedade denominada Amor da Pátria. (Monsenhor Vicente, A História de Pitangui, Belo Horizonte 1972). Constatou-se que o texto do Hino dos Mineiros corresponde nos seus sentidos e expressões ao texto do hino de Pitangui. Tudo indica ter sido escrito e cantado para a Brigada Mineira quando de sua partida para a guerra.


A partir de uma menção no documento descobeerto no vale do Paraíba, cogitou-se primeiramente ser ele uma cópia realizada pelo Pe. Pedro José da Veiga, originário de Cunha, primeiro vigário de Natividade da Serra e vigário em São Luís do Paraitinga de 1851 a 1854, Passou-se porém a seguir a supor autoria de José Pedro Xavier da Veiga (1846-1900), eminente intelectual, historiador mineiro, nascido em Campanha, falecido em Ouro Preto e cujos méritos foram reconhecidos por Dom Pedro II.


Expectativas de guerra com a Argentina na década de 1870 


Uma hipótese levantada foi a da renovada atualidade do hino após 1870, uma vez que foram anos marcados por tensões e expectativas de nova guerra, agora com a Argentina por questões de limites e a tratados de paz com o Paraguai. Um ponto crucial nessas decorrências deu-se em 1872 pelo fato do Brasil ter assinado um tratado de paz com o Paraguai, o que foi visto pela Argentina como um desrespeito a artigo do tratado da Tríplice Aliança pela Argentina. Chegou-se ao envio de batalhões de infantaria e regimentos de cavalaria à fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai. 


Segundo essa hipótese, a tensão e a expectativa de guerra reinante, acoplada com sentimentos patrióticos de orgulho pelo anterior desfecho da Guerra e a morte de Solano Lopez (1827-1870) justificaria uma nova atualidade do Hino dos Mineiros em cidades paulistas do vale do Paraíba. Essa hipótese justificava-se também pelo fato de ter sido também levantado um Hymne du Brésil, de teor similar e de louvor a D. Pedro II de Louis(e) Bertin, impresso em São Paulo em 1874. Esses hinos revelariam um estado de espírito de orgulho da vitória alcançada e de prontidão à defesa do país caso necessário. Os hinos documentam uma atmosfera e uma situação psicológica da coletividade no início da década de 1870 até então pouco considerada na sua intensidade em estudos histórico-culturais.


Desenvolvimentos subsequentes


O interesse por hinos patrióticos no Brasil do século XIX no programa de estudos desenvolvido na Europa a partir de 1974 explica-se pelo fato de estar então em andamento um projeto histórico/etnomusicológico dedicado ao século XIX na América Latina no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia. Os hinos dos países latino-americanos foram considerados no contexto dos respectivos hinários e suas relações com fatos e decorrências da história política. Nessas considerações, não podia faltar a Guerra do Paraguai, o principal e mais grave evento bélico da história da América Latina no século XIX. Nesses diálogos, historiadores do Instituto Português-Brasileiro que se dedicavam ao estudo da Guerra do Paraguai contribuiram à discussão do contexto em que deviam ser consideradas as fontes levantadas no Brasil. 


O Hino dos Mineiros, assim como outros hinos, foi também tratado sob o aspecto de processos históricos nos anos que se seguiram em cursos e seminários universitários relacionados com o Brasil. A hinografia foi tema considerado em colóquios de professores e doutorandos no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia com especial consideração de São Paulo preceram defesa de tese em 1979. Esses estudos suscitaram e fundamentaram e realização de simpósio internacional em São Paulo em 1981 no âmbito do qual fundou-se a Sociedade Brasileira de Musicologia. Hinos e obras patrióticas foi tema de concerto inaugural da Banda Sinfônica da Polícia Militar de São Paulo junto ao Monumento da Independência no Ipiranga. Hinos em São Paulo foi tema de projeto já iniciado na década de 1960, que teve prosseguimento nos anos que se seguiram em várias cidades e instituições de São Paulo e que foi apresentado em excertos em órgão da Sociedade Brasileira de Musicologia após a fundação do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS) em 1985. Hinos de contextos brasileiros em cotejos com aqueles de outros países foi tema de cursos e seminários, salientando-se ciclo realizado na Universidade de Colonia a partir de 1997, assim como os seminários Música e Musicologia no Brasil no contexto de triênio de eventos pelos 500 anos do Descobrimento.

D. Pedro II. Kaiser von Brasilien. Phot. Melsenbach Riffarth München. V. Braun Clément, Paris. Da obra: Therese Prinzessin von Bayern, Meine Reisen on den Brasilianischen Tropen. Berlin D. Reimer (Erst Vohsen) 1897.

Este texto é extraido da publicação

Antonio Alexandre Bispo. Pedro II 200 Anos. Música em estudos euro-brasileiros do século XIX. Gummersbach: Akademie Brasil-Europa & Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e.V.
416 páginas. Ilustrações. (Série Anais Brasil-Europa de Ciências Culturais)
Impressão e distribuição: tredition. Ahrensberg, 225.


ISBN 978-3-384-68111-9


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Pedro II Kaiser von Brasilien. Phot. Melsenbach Riffarth München. V. Braun Clément, Paris. Da obra: Therese Prinzessin von Bayern, Meine Reisen on den Brasilianischen Tropen. Berlin D. Reimer (Erst Vohsen) 1897.
Druck und Verteilung: Tredition. Ahrensberg