Dom Pedro II. Neg. von Braum. Clément & Cia. Paris. Therese Prinzessin von Bayern. Meine Reise in den brasilianischen Tropen. Berlin 1897

BRASIL-EUROPA

REFERENCIAL DE ANÁLISES CULTURAIS DE CONDUÇÃO MUSICOLÓGICA

EM CONTEXTOS, CONEXÕES, RELAÇÕES E PROCESSOS GLOBAIS


Charles Lecocq, Legende de la Mère Angot. Arquivo A.A.Bispo.

 
CHARLES LECOCQ

1832 - 1918


LEGENDE DE LA MÈRE ANGOT






 PROGRAMA

BICENTENÁRIO DE D. PEDRO II
1825-2025

Antonio Alexandre Bispo


Em época marcada pelas remomerações do bicentenário de nascimento de Dom Pedro II (1825-1891), os estudos do século XIX ganham em atualidade. Esses estudos não não são recentes, remontando aos anos de 1960, quando tiveram início os estudos musicológicos que foram continuados em âmbito internacional a partir de 1974. Alguns aspectos desses trabalhos devem ser considerados para que as pesquisas possam desenvolver-se considerando os caminhos percorridos e os resultados de levantamentos e estudos de fontes. Esses estudos foram conduzidos com especial consideração da música, mas não se limitaram à consideração de grandes obras ou de compositores da esfera compreendida como erudita. 


Significado para estudos culturais


Reconheceu-se há muito que não se pode deixar de considerar nos estudos culturais  e musicológicos o significado da música na vida sócio-cultural urbana, a de óperas cômicas, de operetas, assim como no seu cultivo no âmbito doméstico. A atenção não pode voltar-se apenas à música sacra e a obras consideradas como de maior significado artístico, sérias ou eruditas, mas deve dirigir-se também à música menos séria, mais divertida, de operetas, cenas cantadas e óperas cômicas. 


Essa necessidade já foi reconhecida na década de 1960 e considerada em trabalhos de pesquisas e reflexões teóricas. A consideração de práticas musicais e composições que não podiam ser classificadas como eruditas ou populares, antes de uma esfera intermediária, semi-erudita ou semi-popular nos estudos musicais e culturais passou a ser vista como uma exigência na renovação de perspectivas e procedimentos.  


Essa necessidade já foi reconhecida na década de 1960 e considerada em trabalhos de pesquisas e reflexões teóricas. A consideração de práticas musicais e composições que não podiam ser classificadas como eruditas ou populares, antes de uma esfera intermediária, semi-erudita ou semi-popular nos estudos musicais e culturais passou a ser vista como uma exigência na renovação de perspectivas e procedimentos. 


Orientação teórica - metodologia


Essa convicção marcou a orientação do movimento Nova Difusão, que procurou difundir um novo modo de pensar, ver e agir, perspectivas mais amplas, o que determinou também os trabalhos do Centro de Pesquisas em Musicologia então criado. Esse intento levou à procura de fontes e ao estudo de um repertório musical até então pouco considerado e mesmo desvalorizado. Correspondeu ao interesse por estudos sócio-culturais, de uma sociologia da música e àquela de uma renovação de concepções nos estudos culturais através do direcionamento da atenção à cultura do quotidiano. 


Essa orientação teórica teve a sua expressão em cursos, conferências, aulas e concertos realizados no Brasil e, a partir de 1974, na Europa. Como escopo de um projeto elaborado no Brasil e sediado na Universidade de Colonia, procurou-se contribuir ao desenvolvimento de uma musicologia orientada segundo processos culturais em contextos globais. Esse objetivo marcou iniciativas e pesquisas nas décadas que se seguiram.. Nessa atenção a processos, o estudo de difusões, de recepções culturais, de assimilações, adaptações e suas consequências adquire particular significado. Como cidade de Jacques Offenbach (1819-1880), Colonia ofereceu-se de forma privilegiada para o desenvolvimento de estudos voltados à cultura musical urbana de meados do século XIX, à opereta e a vaudevilles.


A. Charles Lecocq na pesquisa


Um exemplo da difusão e recepção de operetas e óperas cômicas de sucesso na Europa no Brasil é o de composições de Alexandre Charles Lecocq.  Esse compositor francês, que alcançou popularidade com as suas operetas  - mais de 50 e mais de 100 canções -, foi colega de estudos do brasileiro Henrique Alves de Mesquita (1830-1906). 


Também Lecocq proveio de meio social modesto. Estudou como Mesquita no Conservatório de Paris Harmonia com François Bazin (1816-1878), composição com Fromental Halévy (1799-1862) e órgão com François Benoist (1794-1878). Em 1856, em concurso iniciado por Jacques Offenbach e Georges Bizet (1838-1875), alcançou o primeiro prêmio com a opereta Le docteur Miracle. 


O seu maior sucesso foi a opereta La Fille de Madame Angot, publicada em Paris e Londres em 1873. Essa opereta, em três atos, com palavras de Louis François Clairville (1811-1879), Pierre-Paul-Désiré Siraudin (1812 –1883)  e Victor Koning (1842-1894), foi premiada em Bruxelas em 1872, alcançando sucesso em Paris, Londres, Nova Iorque e em outras cidades da Europa. Tornou-se uma das obras de maior popularidade em idioma francês das últimas três décadas do século XIX.


Contextos histórico-culturais e político-sociais


No II Império francês, a ópera cômica na França foi marcada pelo sucesso de composições de Jacques Offenbach. A sua obra oferece-se de modo especial para análises da cultura urbana em Paris de Napoleão III (1808-1873).  Charles-Louis-Napoléon Bonaparte, Presidente durante a segunda República (1848-1852) e Imperador de 1852 a 1870, marcou a época da remodelação de Paris do Barão Georges-Eugène Haussmann (1809-1891) e assim a do nascimento de uma metrópole moderna, uma época de extraordinário significado para estudos de arquitetura, urbanismo e urbano-culturais. Paris tornou-se modelo de muitas cidades e, com a sua dinâmica vida social-cultural, intelectual e musical centro de irradiação de tendências do pensamento e das artes, de atração de pensadores, artistas e jovens de talento, também do Brasil.


Com a Guerra Franco-Prussiana e a derrota de 1870, Jacques Offenbach, associado com o antigo regime, perdeu em influência e popularidade, a ele seguindo-se a época de Lecocq. O ano da derrota da França e da proclamação do Império Alemão em Versailles pode ser considerado como um marco também sob o aspecto dos estudos culturais e da vida musical urbana. Essa nova época correspondeu àquela que, no Brasil, foi a das décadas que sucederam à Guerra do Paraguai.


Como todas as tentativas de periodização, essa data apenas pode ser considerada como um referencial. A atenção deve ser dirigida a processos, a desenvolvimentos já iniciados anteriormente e que tiveram continuidade através de décadas. Lecocq já tinha alcançado sucesso com Fleur-de-Thé em 1868. Depois de mudar-se para Bruxelas no começo da guerra, Lecocq alcançou sucesso com Les cent vierges, representado no Théâtre des Fantaisies-Parisiennes, uma obra apresentada nas grandes capitais européias, em Paris, Londres, New York, Viena e Berlim. 


La Fille de Madame Angot


A obra foi apresentada pela primeira vez no teatro Fantaisies-Parisiennes no dia 4 de dezembro de 1872 e teve mais de 500 execuções em Paris, abrindo em 1873 o Théâtre des Folies-Dramatiques, com 411 perfomances.


A opereta refere-se às atividades românticas de Clairette, uma jovem florista de Paris, prometida a um noivo, mas que amava outro. O libretista situou a peça na época do Diretoire de Paris nos últimos dias da Revolução Francesa. Os caracteres são elementos do povo do período revolucionário. O regime era encabeçado por Paul Barras. Mademoiselle Lange era uma artista e ativista anti-governamental. Surge um ativista chamado Ange Pitou e o colarinho negro usado por um dos conspiradores era uma referência ao Pitou histórico - Les collets noirs. A mãe da heroina, Madame Angot - uma mulher de mercado com ambições, é ficional. Corresponde a um tipo conhecido da arte cênica da época revolucionária. 


Overture

Chorus and Scène – "Bras dessus, bras dessous" – 

Couplets (Pomponnet) – "Aujourd'hui prenons bien garde" –

Entrée de la Mariée – "Beauté, grâce et décence" 

Romance (Clairette) – "Je vous dois tout" – 

Légende de la Mère Angot – "Marchande de Marée" – 

Rondeau (Ange Pitou) – "Très-jolie" –

Duo (Clairette and Pitou) – "Certainement j'aimais Clairette" –

Duo bouffe (Pitou and Larivaudière) – "Pour être fort on se rassemble" 

Finale – "Eh quoi! c'est Larivaudière" – 

Chorus – "Tu l'as promis" –

Chanson Politique (Clairette) – 

Strette – "Quoi, la laisserons nous prendre" – 


Recepção de Lecocq no Brasil


Partes da opereta, em redução para piano e canto, foram praticadas em meio familiar e em saraus. A difusão de composições de Lecocq no Brasil foi objeto de atenção desde a década de 1960 em São Paulo. 


No movimento Nova Difusão, reconheceu-se o seu significado para o estudo de processos culturais das décadas de 1870 e 1880, e que se estenderam até grande parte do XX. O estudo de notícias na imprensa e sobretudo fontes levantadas em acervos particulares puderam confirmar a divulgação e o cultivo de obras de Lecocq, em particular de sua Légende de la Mére Angot - "Marchande de Marée” - em círculos sociais e familiares marcados pela cultura francesa. 


Análises dessa composição suscitaram reflexões sobre processos "verticais" de passagem de esferas do popular ao erudito e do erudito ao popular. A melodia, com as suas características de canto popular, tradicional, pelo que tudo indica conscientemente utilizadas por Lecocq, explicaria a sua passagem ao folclore, em especial ao infantil. Ter-se-ia aqui então um retorno de canto popular tradicional usado na composição ao meio popular em contexto cultural distinto daquele de origem, ou seja, no Brasil.


 A Légende de la Mére Angot, cantada com acompanhamento de piano, foi encontrada em álbuns de música. A versão considerada em estudos desenvolvidos no Brasil e na Europa proveio do vale do Paraíba. É um documento que documenta a recepção cultural francesa em meios sociais aristocráticos ou da burguesia em cidades como Guaratinguetá, Pindamonhangaba ou Lorena.

D. Pedro II. Kaiser von Brasilien. Phot. Melsenbach Riffarth München. V. Braun Clément, Paris. Da obra: Therese Prinzessin von Bayern, Meine Reisen on den Brasilianischen Tropen. Berlin D. Reimer (Erst Vohsen) 1897.

Este texto é extraido da publicação

Antonio Alexandre Bispo. Pedro II 200 Anos. Música em estudos euro-brasileiros do século XIX. Gummersbach: Akademie Brasil-Europa & Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e.V.
416 páginas. Ilustrações. (Série Anais Brasil-Europa de Ciências Culturais)
Impressão e distribuição: tredition. Ahrensberg, 225.


ISBN 978-3-384-68111-9


O livro pode ser adquirido aqui

Pedro II Kaiser von Brasilien. Phot. Melsenbach Riffarth München. V. Braun Clément, Paris. Da obra: Therese Prinzessin von Bayern, Meine Reisen on den Brasilianischen Tropen. Berlin D. Reimer (Erst Vohsen) 1897.
Druck und Verteilung: Tredition. Ahrensberg