BRASIL-EUROPA
REFERENCIAL DE ANÁLISES CULTURAIS DE CONDUÇÃO MUSICOLÓGICA
EM CONTEXTOS, CONEXÕES, RELAÇÕES E PROCESSOS GLOBAIS
Antonio Alexandre Bispo
Giovanni Paisiello (Tarento 1740 - Nápoles 1816), renomada e influente personalidade da vida musical européia da sua época, vem sendo considerado em estudos musicológicos concernentes ao Brasil nas suas relações com a Europa desde a década de 1960. Esses estudos tiveram início em São Paulo e tivera-me prosseguimento a partir de 1974 na Europa. Foram desenvolvidos no âmbito de programa de estudos voltados a uma musicologia de orientação dirigida a processos e, reciprocamente, a estudos culturais de condução musicológioca em cooperações internacionais.
O interesse pela consideração da difusão de obras de Paisiello no Brasil foi despertado em meios musicológicos europeus pelas tendências então atuais de intensificação de estudos musicológicos referentes à Itália e de cooperações com musicólogos italianos.
Um marco no desenvolvimento do projeto brasileiro foram estudos realizados na Itália em 1975. Os estudos de Paisiello no Instituto de Musicologia de Colonia foram desenvolvidos no contexto da consideração de Mozart e sua época em curso dirigido por Heinrich Hüschen (1915-1983).
Paisiello formou-se e atuou em época marcada por mudanças sociais, políticas e culturais, de abalo e término do antigo regime de Nápoles, da Revolução, da era bonapartista e da Restauração. A sua vida, obra e a popularidade que alcançou devem ser consideradas nas suas inserções em processos que tiveram dimensões européias e mesmo globais.
Formado e tendo iniciado a sua carreira em Nápoles sob a antiga ordem política, adaptou-se ou mesmo aderiu à nova situação instaurada, tudo perdendo com o término do período do bonapartismo e a restauração da soberania doa Bourbons. A sua morte, em situação de penúria, ocorrida à época do Congresso de Viena, adquire retrospectivamente um sentido quase que simbólico.
Paisiello estudou no Conservatório Sant’Onofrio de Nápoles, tendo como professores entre outros Francesco Durante (1684-1755), Carlo Cotumacci (1709-1785) e Girolamo Abos (1715-1760). Em 1763, um Intermezzo dramático de sua autoria, executado no conservatório o motivou a dedicar-se à ópera bufa. Alcançou grande sucesso com a ópera L’idolo Cinese, levado em Napoles em 1767.
Tornou-se, ao lado de Domenico Cimarosa (1749-1801), um dos mais conhecidos compositores de óperas. 1776 foi convidado por Catarina II (1729-1796) a atuar em S. Petersburgo como regente de óperas. Retornando em 1784, encontrou-se com Mozart em Viena e assumiu a direção da capela real do rei Ferdinando IV (1721-1825) das Duas Sicilias. Em 1802 transferiu-se para Paris e assumiu por um ano a direção da capela de Napoleão, retornando a Nápoles nas suas antigas funções sob a nova situação política. Com o retorno dos Bourbons em 1815, perdeu o seu cargo, falecendo em penúria em 1815.
A sua volumosa produção musical inclui obras sacro-musicais, muitas de grande envergadura para coro e orquestra, obras instrumentais - concertos para piano, quartetos de cordas, quartetos com piano, sonata, um concerto para harpa, sinfonias e, sobretudo, mais de uma centena de óperas. A sua popularidade deveu-se sobretudo às suas óperas bufas, entre elas Il mondo al rovescio (1764), Il Barbiere di Siviglia (1782), La molinara (1788) e Nina pazza per amore (1789).
Os estudos desenvolvidos a partir da perspectiva do Brasil foram marcados pela especial atenção às inserções políticas da trajetória de Paisiello. Tendo regido a capela da Corte do rei Ferdinando IV (1751-1823), Paisiello comportou-se de forma que surgia pouco leal ao antigo regime com a eclosão da revolução de 1799, uma vez que, arranjando-se com o governo republicano, pôde manter o seu cargo. Em 1802, foi convidado por Napoleão para organizar e dirigir a sua capela, transferindo-se para Paris. Retornou a Nápoles, onde assumiu o seu antigo cargo de diretor do Conservatório, agora organizado segundo modelos franceses, um cargo que manteve sob Joseph Bonaparte (1768-1844) e Joachim Murat (1767-1815).
O fato de também Paisiello ter-se mostrado conivente com a revolução, alcançar cargos na época do bonapartismo e ter perdido os seus cargos e honras em consequência do Congresso de Viena e do retorno dos Bourbons, revela uma orientação política contrária a tendências antir-evolucionárias e restauradoras. Paisiello não podia ter sido bem visto em círculos conservadores que desejavam a restauração do absolutismo no Rio de Janeiro à época da presença da família real portuguesa no Brasil e, após a Restauração européia e sua morte, em círculos anti-constitucionais do Reino Unido Portugal-Brasil-Algarves.
Desenvolvimento dos estudos
Paisiello era, na década de 1960, compositor conhecido no Brasil quase que exclusivamente pela difundida ária Nel cor più non mi sento da ópera La Molinara ossia L’amor contrastato, assim como pelas variações sobre essa melodia que faziam parte de programas de ensino de canto e concertos. Essa ária, apresentada em primeira audição em Nápoles, em 1788, mantinha vivo no repertório o nome de um compositor que era lembrado apenas de passagem em cursos de História da Música.
Paisiello foi um dos músicos italianos que passaram a ser considerados com particular atenção em círculo ítalo-brasileiro de músicos e professores de São Paulo, atuantes no Conservatório Musical Carlos Gomes, antiga Sociedade Beneficiente Benedetto Marcello. Nos intuitos de revalorização da presença italiana na história da música do Brasil, No intuito de revalorização da presença italiana na história da música do Brasil, Paisiello, ao lado de outros compositores, contribuiu ao despertar de interesses por estudos mais diferenciados de contextos da assim-chamada "escola napolitana" e suas extensões em Portugal e no Brasil.
As reflexões tiveram continuidade no Centro de Pesquisas em Musicologia da Nova Difusão, um movimento que se originou da tomada de consciência de uma necessária renovação de perspectivas e procedimentos através de um direcionamento da atenção a processos. Visões por demais esquemáticas da história, assim como projeções de imagens e concepções nacionais da atualidade no passado deviam dar lugar a estudos da dinâmica de mudanças, de desenvolvimentos através de fronteiras de configurações de Estado nas suas muitas modificações, aguçando assim a percepção de contextos político-sociais e culturais nos quais compositores como Paisiello se inseriram.
Em pesquisas de acervos, constatou-se que obras de Paisiello foram difundidas e executadas no Brasil, encontrando-se partes manuscritas em cidades de São Paulo, mais especificamente no vale do Paraíba. A Sinfonia N° 21 de Paisiello encontrada em cidades como Guaratinguetá, Pindamonhangaba e Cunha, assim como uma Ouvertüre recopiada em 1840 em São Luís do Paraitinga foram fontes que comprovaram a recepção e o cultivo de obras de Paisiello em fins do século XVIII e início do XIX, mantendo-se em repertórios através de décadas. Como outras obras instrumentais, essas composições teriam sido executadas não só em concertos mas sim também em contextos religiosos para fins espirituais ou após o término de atos de culto. A Ouvertüre de Paisiello para dois violinos, oboé, clarineta, duas trompas, viola e baixo, foi copiada e comercializada por O. Fagundes, morador da rua do Rosário 22 de S. Luís do Paraitinga. Podendo ser ali adquirida, a obra foi executada em outras cidades, entre elas em Cunha.
Provindo os manuscritos da região paulista cortada pela estrada que saía de Parati ao interior, as obras teriam sido trazidas do Rio de Janeiro e levadas às cidades do alto da serra e do vale cortado pelo rio Paraíba.
A Sinfonia N° 21 de Paisiello, permanecendo no repertório de cidades brasileiras, pode ser vista como testemunho da permanência de música que se inseria - ou mesmo evocava - uma corrente política de dimensões internacionais sufocada pela restauração da antiga ordem. Questionou-se até que ponto a orientação política progressista de Paisiello eram conhecidas no Brasil.
Concepções de musicologia-histórica, exame crítico e teoria. Manuel Pereira Peixoto d'Almeida Carvalhais (1856-1922): 150 anos ➢
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68: Centenário da morte de Rossini e renovação musical ➢
L'Insieme di Firenze. ➢
Este texto é extraido da publicação
Antonio Alexandre Bispo. Pedro II 200 Anos. Música em estudos euro-brasileiros do século XIX. Gummersbach: Akademie Brasil-Europa & Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e.V.
416 páginas. Ilustrações. (Série Anais Brasil-Europa de Ciências Culturais)
Impressão e distribuição: tredition. Ahrensberg, 225.
ISBN 978-3-384-68111-9
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