BRASIL-EUROPA
REFERENCIAL DE ANÁLISES CULTURAIS DE CONDUÇÃO MUSICOLÓGICA
EM CONTEXTOS, CONEXÕES, RELAÇÕES E PROCESSOS GLOBAIS
Antonio Alexandre Bispo
Joaquim Romão da Silva Prado foi um professor, músico e compositor do interior de São Paulo considerado em pesquisas desde a década de 1960. O seu nome e as suas atividades foram lembrados em estudos culturais e musicológicos referentes a São Paulo desenvolvidos em âmbito internacional desde 1974.
Joaquim Romão da Silva Prado deve ser considerado sobretudo como um dos mais significativos nomes da história cultural de Jundiaí, Como professor de música no Colégio Dona Rita Lobato, foi conhecido pela sua erudição, o que marcou a sua memória. Jundiaí distinguiu-se entre as cidades do interior de São Paulo pela sua tradição de estudos humanísticos. Já em 1844 criara-se ali uma cadeira de latim. Sabe-se que na década de 1880 ali viviam personalidades de projeção renomadas pela sua vasta cultura, sempre se lembrando nos estudos de membros da família Silva Prado, alguns relacionados por parentesco com Antonio da Silva Prado, (1778-1875), Barão de Iguape.
Entre as suas alunas no Colégio Dona Rita Lobato, destacou-se Maria Monteiro (1870-1897), prima de Carlos Gomes (1836-1896) e que se tornou uma das mais renomadas cantoras líricas do Brasil. Provindo de família de músicos, Maria Monteiro, conhecida como Zica, nascida em Campinas, obteve a sua formação como cantora em coros de igreja, atuando como solista em obras sacro-musicais e em apresentações escolares. Tornou-se conhecida pelas suas atuações como Verônica nas procissões de Semana Santa. Após os seus estudos com Joaquim Romão em Jundiaí, Maria Monteiro retornou a Campinas, onde continuou a sua formação com Emilio Giorgetti, professor do Colégio Florence. Fundado em 1863 por Carolina Krug Florence (1828-1913), esposa Hercule Florence (1804-1879), artista significativo na história cultural do Brasil, o colégio foi importante instituição de formação feminina no interior do Estado.
Em 1883, Maria Monteiro atuou nas cerimônias de inauguração da igreja Nossa Senhora da Conceição de Campinas, o que foi objeto de estudos desde a década de 1960 e nos estudos de Antonio Carlos Gomes (1836-1896) desde então desenvolvidos no Brasil e na Europa. Maria Monteiro foi lembrada na execução da Missa composta por Elias Álvares Lobo para a sagração da igreja de Campinas no I Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, realizado em São Paulo em 1981.
As suas qualidades vocais e interpretativas foram constatadas por Dom Pedro II em 1886 que, bem impressionado, passou a apoiar o seu aperfeiçoamento na Europa. Em 1889, poucos meses antes da proclamação da República, Maria Monteiro dirigiu-se com apoio imperial a Milão. Maria Monteiro foi considerada, no âmbito do projeto musicológico brasileiro, no primeiro ciclo de estudos desenvolvido em Milão, em 1975/76 por ocasião dos 50 anos do término e da edição da Storia della Musica nel Brasile de Vincenzo Cernicchiaro (Milão: Fratelli e Riccioni 1926).
Em 1905, Maria Monteiro foi perenizada no monumento a Carlos Gomes em Campinas, levantado em 1905.
Joaquim Romão da Silva Prado era compositor conhecido de músicos de São Paulo que mantinham relações com cidades do interior no início da década de 1960. Andrelino Vieira, maestro e compositor proveniente de Santana do Parnaíba, professor de Canto Orfeônico e diretor do Conservatório Musical Osvaldo Cruz de São Paulo, conhecia obras de sua autoria, executadas tradicionalmente em missas por ocasião de festas de Bom Jesus de Pirapora. Nessas festas participava também o cantor e pesquisador Edgard Arantes Franco, organizador e regente de grupos de cantores que ali atuavam e que mantinha contatos com o mestre do Seminário Menor Diocesano de Pirapora, administrador de um arquivo de músicas com obras provindas de igrejas de cidades da região. O principal regente de bandas que atuavam em procissões e festividades de Bom Jesus de Pirapora tinha sido Veríssimo Glória, músico que mantinha estreitas relações com Jundiaí, cidade que guardava a memória de Joaquim Romão da Silva Prado.
No âmbito do Museu de Artes e Tradições Populares (Folclore), considerou-se em diversas ocasiões a romaria e a festa de Bom Jesus de Pirapora. Esses estudos puderam basear-se na vivência e na memória de portugueses participantes em romarias a Pirapora desde a década de 1920. Portugueses e ilhéus imigrados para São Paulo costumavam fazer peregrinações à imagem do Bom Jesus, venerado sobretudo por minhotos marcados pela veneração do Bom Jesus do Monte em Braga e por açorianos na tradição do culto ao Santo Cristo. Em entrevistas, pôde-se obter dados e impressões sobre a música nas romarias e festas, em particular de apresentações e encontros de bandas sob a regência de Veríssimo Glória. Joaquim Romão da Silva Prado era o autor da Novena de Nosso Senhor do Bonfim tradicionalmente executada por ocasião das novenas de julho que precediam a festa do Bom Jesus de Pirapora.
Joaquim Romão da Silva Prado, como professor de música e, em especial, de Maria Monteiro, foi frequentemente lembrado em considerações sobre o ensino musical em escolas, ginásios e conservatórios. O seu nome foi lembrado em contatos e intercâmbios de conservatórios da capital com aqueles do interior, em particular com o Conservatório Estadual Dr. Carlos de Campos de Tatuí por ter Joaquim Romão da Silva Prado vivido e atuado nessa cidade. O conservatório, criado por lei estadual em 1951 e fundado em 1954, tornou-se um centro de ensino musical procurado por jovens e músicos de diversas regiões do Estado, um significado que se intensificou no decorrer da década de 1960. Considerar Joaquim Romão significava contribuir ao conhecimento do passado musical de Tatuí, então praticamente desconhecido.
Joaquim Romão da Silva Prado foi considerado em estudos desenvolvidos tanto a partir de fontes levantadas em pesquisas sob o aspecto da história da música do interior de São Paulo como da pesquisa de tradições populares e folclore. Foi neste sentido interdisciplinar objeto de atenções no âmbito do projeto Musicologia Paulista desenvolvido no Centro de Pesquisas em Musicologia do movimento Nova Difusão, marcado que foi pelo intuito de superar modos de pensar em esferas categorizadas como eruditas, populares e folclóricas. A sua vida e obra surgiam como significativas para estudos de processos que supeeram separações entre esferas culturais e etno-sociais, assim como da música sacra e da secular.
Em 1969, o seu nome foi lembrado em colóquios de membros do Centro de Pesquisas em Musicologia com o historiador campineiro Odilon Nogueira de Matos (1916-2008) no contexto de curso de História da Música Paulista por este ministrado Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo. Nesses colóquios, a atenção foi sobretudo dirigida a processos de expansão da cultura cafeeira no interior de São Paulo no século XIX, acompanhada pela abertura de estradas e ferrovias e surgimento de cidades.
O Credo de Joaquim Romão, tradicionalmente executado na missa da festa de Pirapora do Bom Jesus, esteve no foco das atenções nos estudos realizados na década de 1960. Essa atenção foi decorrente do papel desempenhado na vida cultural e religiosa de Pirapora, estudado a partir de pesquisas de fontes nos acervos do Seminário, de bandas de música de cidades da região e entrevistas com músicos e devotos de mais idade. A obra foi tratada no grupo de estudos de música sacra criado em 1969 pela Nova Difusão em comparações com outras composições do Credo de compositores do século XIX de São Paulo e de outras regiões do Brasil. Contribuiu à consideração da prática de tratamento da missa compreendendo apenas as partes introdutórias do Kyrie e do Gloria, o que levava a que obras, na celebração litúrgica, tivessem que ser complementadas pelo Credo, Sanctus e Agnus Dei de outras obras. Composições isoladas de Credo podiam ser constatadas na produção sacro-musical.
Nesses estudos, salientou-se a peculiaridade do Credo como profissão e afirmação de fé, o que o distingue de outras partes do Ordinarium e condiciona o seu tratamento musical. O longo texto é conduzido antes como declaração afirmativa que não comporta tantas expansões vocais.
O Credo de J. Romão que, após a entoação do sacerdote inicia-se com o Patrem omnipotentem é tratado musicalmente com figuras pontuadas ascendentes e figurações escalares quase que marciais, revela a interpretação de sentidos do texto a partir de uma linguagem estética marcada pela música instrumental de cunho marcial. A afirmação de fé do texto é salientada pela configuração instrumental da composição como se fosse uma marcha de caráter determinativo. Não seria justo desqualificar a obra a partir de critérios de sacralidade que não levam em conta de forma adequada contextos sócio-culturais.
Este texto é extraido da publicação
Antonio Alexandre Bispo. Pedro II 200 Anos. Música em estudos euro-brasileiros do século XIX. Gummersbach: Akademie Brasil-Europa & Institut für Studien der Musikkultur des portugiesischen Sprachraumes e.V.
416 páginas. Ilustrações. (Série Anais Brasil-Europa de Ciências Culturais)
Impressão e distribuição: tredition. Ahrensberg, 225.
ISBN 978-3-384-68111-9
O livro pode ser adquirido aqui